
Entre Fadas e Borboletas circulamos. Neste movimento transitório, inalterável, percorremos. Entre mistérios e paraísos lilases equilibramos. Entre matizes rosas e azuis voamos. E nos canteiros perfumados cultivamos. As flores mais lindas colhemos. Rosas vermelhas ou brancas exalamos. E nas manhãs de verão, nos amamos. (Paty Padilha)
segunda-feira, 31 de março de 2008
Canção Amiga


Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
(Carlos Drummond de Andrade)
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
(Carlos Drummond de Andrade)

Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa
Pondera
Outra parte, delira
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem
Traduzir uma parte noutra parte
Que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
(Fagner / Ferreira Gullar)
Na orla do mar
Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.
(Fernando Pessoa)
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.
(Fernando Pessoa)

"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!
Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranqüilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe uma alegria: sentia-se ligeira, tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as impaciências dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso. Foi-se ver ao espelho."
(Eça de Queiroz, "O Primo Basílio")
Inconstância

Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer…
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando…
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também… nem eu sei quando…
(Florbela Espanca)
Quimeras
domingo, 30 de março de 2008
Viagem

Da plataforma do meu trem vejo as coisas passarem.
Passou uma casa correndo, atrás dela passou um quintal e uma dona gorda com um filho no colo e trouxa na cabeça.
Passou um rebanho de vacas mastigando tristemente, sem ter outras coisas que fazer.
Passou um urubu voando assustado a procura da roubada solidão.
Passou depois uma flor e braço dado com outra flor, dançando, dançando, dançando...
Os bambus , as palmeiras, o capim, o arroio seco passou também correndo, cantando, cantando com o vento.
Um rio quis seguir a gente mas não pode mais e sumiu atrás de monte.
Passou uma nuvem correndo por cima dos pinheiras.
Passou a fumaça preta salpicada de fogo.
A fumaça era carvão e virou nuvem e o fogo então correu também para virar estrela.
Só eu fiquei parada na plataforma a espiar tudo.
Chegou o chefe do trem, disse que eu não podia ficar ali e sumiu também.
Passou a estação pequenina com um homem de uniforme e bandeira verde acenando sem parar.
Eu chamei minha amiga para perto.
E, então, ficamos vendo as coisas passarem.
(Maria Clara Machado)
Uma flor e um Rabisco...

Desculpe estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo
As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pr'uma criança
Por onde andei enquanto você me procurava
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava
Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança
Que a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama
E o que eu deixei algumas roupas penduradas
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava
(Nando Reis)
"Eu me entrego, aceito a mim e as condições atuais. Se for para minguar minguo. Não vou contra meus ciclos. Se for para chorar, choro tudo que houver, vou ao inferno, vou fundo. Se for para amar, também. Amo tudo, intensamente até o fim. Fico cheia, fico nova, me exalo, me recolho, fico de todos os jeitos. Cozinhando ou de molho."
(Carolina Salcides)
sábado, 29 de março de 2008

"A poesia é um elo de tão plena força a unir os poetas,
que têm no Universo um forte aliado a fornecer-lhes todos
os elementos necessários para que componham os seus
versos e encantem os seus leitores, a ponto de reforçar-lhes
sempre mais a fé e fazê-los crer que os poetas conseguirão
mudar o mundo"
(Mírian Warttusch)
Romantismo

Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos, invisíveis cânticos.
Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e da fonte pura.
E tão românticos seremos
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo
pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
- resumo de todas as vidas.
(Cecília Meireles - in Mar Absoluto)
PEDIDO

Subi acima duma arvori
Para ver se te via,
Como não te vi,
Descia-a!
Atirê um limão rolando...
À tua porta parou...
Depois fiquei pensando...
Será que o cabrão se cansou???
Ê vi-te no tê jardim,
Andavas colhendo hortelã!
Ê ca gosto de ti,
E tu? Hããããããã??
Subi a um ecapitre
Com o tê retrato na mão
Desencaliptrê-me lá de cima
Malhê com os cornos no chão!!!
Perdi a minha caneta
Lá prós lados da várzea.
Se lá fores e a vires...
Trázea!
(Trovas Populares)
Soneto a Katherine Mansfield

O teu perfume, amada — em tuas cartas
Renasce, azul... — são tuas mãos sentidas!
Relembro-as brancas, leves, fenecidas
Pendendo ao longo de corolas fartas.
Relembro-as, vou... nas terras percorridas
Torno a aspirá-lo, aqui e ali desperto
Paro; e tão perto sinto-te, tão perto
Como se numa foram duas vidas.
Pranto, tão pouca dor! tanto quisera
Tanto rever-te, tanto!... e a primavera
Vem já tão próxima! ...(Nunca te apartas
Primavera, dos sonhos e das preces!)
E no perfume preso em tuas cartas
À primavera surges e esvaneces.
(Vinicius de Moraes)
Assinar:
Postagens (Atom)