Entre Fadas e Borboletas circulamos. Neste movimento transitório, inalterável, percorremos. Entre mistérios e paraísos lilases equilibramos. Entre matizes rosas e azuis voamos. E nos canteiros perfumados cultivamos. As flores mais lindas colhemos. Rosas vermelhas ou brancas exalamos. E nas manhãs de verão, nos amamos. (Paty Padilha)
O tempo é estático, Somos nós que passamos. Os amores não acabam Somos nós que de amores mudamos. As flores são eternas Nós que as vemos murchando. Toda dor é perene Somos nós que nos acostumamos. Toda hora é para sempre Pena, que sempre abreviamos. Toda chegada é partida, e é definitiva. Somos nós que nos ausentamos. Todas as lágrimas são repetidas Somos nós que de novo derramamos. Todas as respostas estão prontas É nas perguntas que erramos Todos os mortos estão vivos, e serenos Fomos nós... que morremos. (Tonho França)
O prazer do difícil tem secado A seiva em minhas veias. A alegria Espontânea se foi. O fogo esfria No coração. Algo mantém cerceado Meu potro, como se o divino passo Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço, Sob o chicote, trêmulo, prostrado, E carregasse pedras. Diabos levem As peças de teatro que se escrevem Com cinqüenta montagens e cenários, O mundo de patifes e de otários, E a guerra cotidiana com seu gado, Afazer de teatro, afã de gente, Juro que antes que a aurora se apresente Eu descubro a cancela e abro o cadeado. (William B. Yeats)
E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que podia ser meu para sempre. (Miguel Sousa Tavares)
Me entrego a tus brazos Con miedo y con calma Y un ruego en la boca Y un ruego en el alma (Lhasa de Sela)
Até por fim perceber que as lágrimas não precisam dos olhos e que chorar é apenas o modo como o tempo docemente nos fuzila. (Manuel de Freitas)
talvez nunca tenha entendido a minha maneira de amar ou talvez nunca tenha tido uma maneira de amar ou uma única maneira de amar – talvez nunca tenha sabido o amor de uma maneira – a forma e a proporção a geometria – mas estou certo que amei sempre tarde demais ou num cedo incerto de tanta impossibilidade de me encontrar amando seja o que for o amor. (Frederico Mira George)
Se acaso Sentir saudades Me ver em tudo que olhar E der uma vontade louca De me amar Me chame... Tudo que mais desejo É te abraçar
E se ouvir nossa música Será um sinal dos deuses Sempre que ela tocar Estarei a sussurrar mil vezes Pedindo pra você voltar
Se acaso Sentir um perfume Me sentindo em todo lugar E der uma vontade louca De me amar Me chame... Tudo que mais quero É te beijar. (Sirlei L. Passolongo)
Durante a primavera inteira aprendo os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço - e penso que vou dizer algo cheio de razão, mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios, sinto que me faltam um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer coisa extraordinária. Porque não sei dizer-te sem milagres que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor, que te procuram. (Herberto Hélder)
Mas que queremos da vida? É a vida? O que se procura em cada segundo para se perder em cada segundo? O tempo, assim, de nada nos serve. Um dia, dando por nós próprios, perguntamo-nos o que fizemos, por onde andámos, que cidades e casas percorremos, sem que uma resposta nos satisfaça. A vida, então, limita-se a ser o que fez de nós, sem que o tenhamos desejado, e nada pode ser feito para voltar atrás, nem para restituir os passos trocados de direcção, as frases evitadas no último extremo, o olhar que se desviou quando não devia. Ah, sim - e o amor? É isso que queremos da vida? É verdade: cada um dos abraços que se deram, contando cada instante; o rosto lembrado no auge do prazer, quando um súbito sol desponta dos seus lábios; os cabelos presos nas mãos, como se elas prendessem o feixe da eternidade... Assim, a vida poderá ter valido a pena. É o que fica: o que nos foi dado e o que damos, sem que nada nos obrigasse a dar ou a receber, o puro gesto do acaso na mais absoluta das obrigações. Então, volto a perguntar: que outra coisa queremos da vida? (Nuno Júdice)
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão. O seu corpo perfeito, linha a linha, derramava-se no meu, e eu sentia nele o pulsar do próprio coração.
Moreno, era a forma das pedras e das luas. Dentro de mim alguma coisa ardia: a brancura das palavras maduras ou o medo de perder quem me perdia.
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão e longamente bebi os horizontes. E longamente fiquei até sentir o meu sangue jorrar nas próprias fontes. (Eugénio de Andrade)
"Caminhante, tuas pegadas são o caminho, nada mais. Caminhante, não há caminhos, faz-se o caminho ao andar." (Antônio Machado)
Quem nesse momento pensa no ar? Ninguém. E, no entanto, todos nós estamos respirando. O ar é nossa vida e não precisamos pensar nele nem dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Deus é assim, é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta o vento se transforma em melodia. Mas não é possivel engarrafá-lo. Mas as religiões tentam engarrafá-lo em lugares fechados a que eles dão o nome de "casa de Deus". Mas se Deus mora numa casa estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não sopra... Rubem Alves
Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há ideias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Sai-me dos dedos a carícia sem causa, Sai-me dos dedos... No vento, ao passar, A carícia que vaga sem destino nem fim, A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita, Posso amar ao primeiro que conseguir chegar. Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos. A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante, Se estremece os ramos um doce suspirar, Se te aperta os dedos uma mão pequena Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija, Se é o ar quem tece a ilusão de beijar, Ah, viajante, que tens como o céu os olhos, No vento fundida, me reconhecerás? (Alfonsina Storni - Tradução de Carlos Seabra)