quarta-feira, 5 de março de 2014

Leia com atenção!!!



Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço. A nova edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega mesmo a ser difícil encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência. Dizem que Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo, principalmente pela banalização do sexo. O BBB é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este programa ao lado dos filhos e netos. Gays, lésbicas, heteros... todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB está na realidade em busca do IBOPE. Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB. Ele prometeu um “zoológico humano divertido”. Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas. Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade. Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis? É isso mesmo... ? Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores), carteiros, lixeiros, motoristas e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência, zelo e amor e quase sempre são mal remunerados. Heróis para mim são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir, são transportados como gado nos transportes públicos e conseguem sobreviver a isso todo dia. Heróis para mim são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna. Heróis para mim são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, Ongs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam arduamente ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína Zilda Arns). E de tantos outros, como por exemplo, Madre Teresa de Calcutá. Heróis para mim são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas R$ 16,00 (dezesseis reais) para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo. O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar o tempo inteiro, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E aí vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!! Veja o que está por de tra$$$$$$$$$ do milionário BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a R$ 0,30 (trinta centavos), a Rede Globo e a Telefônica arrecadam R$ 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos mil reais). Eu vou repetir: R$ 8.700.000,00 (oito milhões e setecentos mil reais) a cada paredão. Vocês já imaginaram quanto poderia ser feito com essa fantástica quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, segurança, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito, por exemplo, mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores) Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores vendo futilidades. Em vez de assistir ao BBB, que tal você ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou de seu autor preferido ou qualquer outra coisa..., ir ao cinema..., estudar..., ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins..., telefonar para um amigo..., visitar os pais e os avós..., pescar..., brincar com as crianças..., namorar... ou simplesmente dormir. Imagino que assistir ao BBB é ajudar a Rede Globo a ganhar rios e mais rios de dinheiro e colaborar para destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construído nossa sociedade.
 Esta crônica está sendo divulgada pela internet a milhões caso concorde com o pensamento de Luis Fernando Veríssimo.

Depois do Carnaval



Terminado o Carnaval, eis que nos encontramos com os seus melancólicos despojos: pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira; oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas; torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes. Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade.

À chamada realidade. Pois, por detrás disto que aparentamos ser, leva cada um de nós a preocupação de um desejo oculto, de uma vocação ou de um capricho que apenas o Carnaval permite que se manifestem com toda a sua força, por um ano inteiro contida.

Somos um povo muito variado e mesmo contraditório: o que para alguns parecerá defeito é, para outros, encanto. Quem diria que tantas pessoas bem comportadas, e aparentemente elegantes e finas, alimentam, durante trezentos dias do ano, o modesto sonho de serem ursos, macacos, onças, gatos e outros bichos? Quem diria que há tantas vocações para índios e escravas gregas, neste país de letrados e de liberdade?

Por outro lado, neste chamado país subdesenvolvido, quem poderia imaginar que há tantos reis e imperadores, princesas das Mil e Uma Noites, soberanos fantásticos, banhados em esplendores que, se não são propriamente das minas de Golconda, resultam, afinal, mais caros: pois se as gemas verdadeiras têm valor por toda a vida, estas, de preço não desprezível, se destinam a durar somente algumas horas.

Neste país tão avançado e liberal — segundo dizem — há milhares de corações imperiais, milhares de sonhos profundamente comprimidos mas que explodem, no Carnaval, com suas anquinhas e casacas, cartolas e coroas, mantos roçagantes (espanejemos o adjetivo), cetros, luvas e outros acessórios.

Aliás, em matéria de reinados, vamos do Rei do Chumbo ao da Voz, passando pelo dos Cabritos e dos Parafusos: como se pode ver no catálogo telefônico. Temos impérios vários, príncipes, imperatrizes, princesas, em etiquetas de roupa e em rótulos de bebidas. É o nosso sonho de grandeza, a nossa compensação, a valorização que damos aos nossos próprios méritos...

Mas, agora que o Carnaval passou, que vamos fazer de tantos quilos de miçangas, de tantos olhos faraônicos, de tantas coroas superpostas, de tantas plumas, leques, sombrinhas...?
"Ved de quán poco valor
Son las cosas tras que andamos
Y corremos..."
dizia Jorge Manrique. E no século XV! E falando de coisas de verdade! Mas os homens gostam da ilusão. E já vão preparar o próximo Carnaval...

Texto extraído do livro "
Quatro Vozes", Editora Record - Rio de Janeiro, 1998, pág. 93.
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Cecília Meireles