quinta-feira, 29 de maio de 2008

Receita de Mulher


(...)


Que ela não perca nunca, não importa em que mundo

Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade

De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma

Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave.


(...)


Carlos Drummond de Andrade

Com as mãos, tomei tua cabeça como quem toma uma âncora e me servi do néctar do amor.

Quem teria pensado que uma âncora tão pequena contivesse tanto licor?

A aurora já despontava no céu quando nossas bocas se separaram.

O Jardim das Carícias - Conto Beduino
Rejed Ben Sahlli

"Mar

Metade da minha alma é feita de maresia."

Sophia de Mello Breyner Andresen

Viagem


Pelos meus dedos molhados
escorrem largos oceanos.
Pelos meus dedos azuis
desfilam navios esquálidos.
Meus dedos estão cansados
por isto, já nem se fecham:
portos vagos abrem-se e deixam
partirem todos os sonhos.

Os sonhos vão como mortos
em seus esquifes marinhos
nos corpos sem consistência
pousam anêmonas. Os rostos
entre rochedos opostos
desaparecem. Mistério
exibe-se em ar grave e sério
à terra do esquecimento.
Restos de brumas aladas
perpassam na maresia.
Minhas mãos já não sustentam
quilhas contra as águas claras.
Cantam na vela enfunada
ventos de todo quadrante
por mais que busquem o horizonte
o infinito os afasta.

- Sou como viageiro estranho
por mais que busque e navegue
do infinito o talvegue
jamais reencontro os sonhos.

Bernadette Lyra


"Que o homem não seja indigno do Anjo
cuja espada o protege
desde que o gerou aquele Amor
que move o sol e outras estrelas
até o Último Dia em que ressoe
o trovão na trombeta.
Que não arraste a vermelhos bordéis
nem aos palácios que erigiu a soberba
nem às tavernas insensatas.
Que não se entregue à súplica
nem ao ultraje do pranto
nem à fabulosa esperança
nem às pequenas magias do medo
nem ao simulacro do histrião;
o Outro o observa.
Que lembre que jamais estará só.
Ou no público dia ou na sombra,
o incessante espelho o confirma;
que não macule seu cristal uma lágrima.

Senhor, que até o fim de meus dias sobre a Terra
eu não desonre o Anjo."

Jorge Luis Borges

Poema


O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen



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