sexta-feira, 4 de dezembro de 2009



Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?
Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,
Mas tão de leve!...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há uma coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.


Fernando Pessoa



"Aquilo que os sentidos nos dizem ser Primavera é para Deus um pequeno e fugaz sorriso que percorre a Terra. Esta parece então lembrar-se de qualquer coisa que durante o Verão a todos contará até se tornar mais sensata no grande silêncio do Outono durante o qual apenas faz confidências aos solitários."

Rainer Maria Rilke, in Histórias do Bom Deus.

Corroendo


As grandes escadas
Da minha alma.
Água. Como te chamas?
Tempo.



Vivida antes
Revestida de laca
Minha alma tosca
Se desfazendo.
Como te chamas?
Tempo.



Águas corroendo
Caras, coração
Todas as cordas do sentimento.
Como te chamas?
Tempo.



Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo.



Hilda Hilst




Délicatesse


Não quero umlautobanquetecomumaorquestrainteiratocandopramim...



Quero a solidão delicada de um chá com torradas
E o canto dos pássaros regando o meu silêncio.



Quero tudo!





Vera M. (Queen of Hearts)