segunda-feira, 3 de março de 2008


não se perdeu nenhuma coisa em mim.
continuam as noites e os poentes
que escorreram na casa e no jardim,
continuam as vozes diferentes
que intactas no meu ser estão suspensas.
trago o terror e trago a claridade,
e através de todas as presenças
caminho para a única unidade.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

apparição



um dia, meu amor (e talvez cedo,
que já sinto estalar-me o coração!)
recordarás com dor e compaixão
as ternas juras que te fiz a medo…

então, da casta alcova no segredo,
da lamparina ao tremulo clarão,
ante ti surgirei, espectro vão,
larva fugida ao sepulcral degredo…

e tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
e afflictos ais, estenderás os braços
tentando segurar-te aos meus vestidos…

–«ouve! espera!»–mas eu, sem te escutar,
fugirei, como um sonho, aos teus abraços
e como fumo sumir-me-hei no ar!
(Antero de Quental)

Borboletas invadiram-me!

Não que eu te ame assim de corpo inteiro, assim até por entre os intervalos dos dedos, por debaixo da carne, impregnada e torpe, embebida e infestada como quem acha em si um fundamento outro alheio à própria composição, um esqueleto do vento que sopra do próprio hálito. Não que eu te ame, nessas coisas tolas e miúdas, ínfimas e medíocres, ordinárias e despiciendas que enchem os dias, preenchem horas, desperdiçam anos, como o modo que teus dedos mexem pontuando as tuas frases, ou como variam os intervalos dos teus piscares de olhos conforme o assunto de que tratas, conforme teu entusiasmo, conforme a intensidade da luz. Não que eu te ame, nas minimidades e pequenas tragédias, no burilar do tempo, na suspensão triste que permeia as contrariedades despercebidas, os resíduos de fracasso que se agregam à memória dos dias. Não que eu te ame, não.
(Ticcia)

Irmãs gêmeas
Há realmente coisas incriveis na genética.

Soneto do Olhar


(Para os teus olhos, para os teus olhares
o Soneto bordado de saudade
e a lisonja das sílabas de seda.)

Pelo céu, pela noite, pelos mares,
— Via-láctea de amor e claridade —
o teu olhar é plácida alameda,

onde a minh'alma, anêmica e doente,
anda bebendo o ar da vida nova,
nesse quebranto do convalescente
que fugiu ao mistério duma cova.

(já estive à morte, sendo assim tão moço...)
— Tarde de calma e de melancolia
é o teu olhar; e, quando me olhas, ouço
tocar dentro de mim Ave-Maria.
(Guerra-Duval)

SEREI UM DIA O MAR


serei um dia o mar
cansado de ser um monte
de ir de vir
de ser a fonte
onde nasce o rio
e nunca o mar

serei um dia o mar
longe das cidades
onde os homens
por um conto
compram a guerra
o amor
a terra
onde temos de lutar

uma flor
suicidou-se
ao fim do dia
e eu pela noite fiquei a chorar
navios
navegam dentro de mim
e ao pôr do sol em teus olhos
sou eu
o
mar
(Gualdino Avelino Rodrigues -1965)

Te amo com o espanto,
de quem não acreditava no amor.
Te amo na solidão de meu amanhecer.

Um amor com a beleza do silencio
e do grito, de um gesto descontraído,
uma roupa desbotada, um solstício
de primavera.

Eu te amo agora, meu presente...
Não te amava antes.
Te amo agora e para sempre...

Um amar suave como um cair de tarde,
Que às vezes dói, às vezes arde,
Queima na face como uma bofetada.

Um amar criança com cheiro de talco...
Com o frescor da rosa em botão, do orvalhar
da manhã, do serenar de uma noite de lua...

Um amar quente como o fogo da paixão...
Sincero como a dor da saudade...
Simples como a verdade...
Puro como o desejo de um amante...
Maior que o tempo...

Eu te amo...
Como quem nunca crera...
...ser possível amar assim.
(AlexSimas)

Há caminhos que se cruzam
e passam tão pertos, mas tão pertos
que se encontram no aconchego das almas.

Nestes caminhos cruzados
de voltas e reviravoltas
sempre andei seguro demais.

Nos limites da velocidade
nas horas marcadas das emoções
nos momentos certos que iriam vir.

Andeis nos meus limites
nas minhas possibilidades
sem em momento algum arriscar.

Sempre na segurança das retas
na tranquilidade da direção certa
até você aparecer...

Chegou a hora
de eu sair das minhas retas
e arriscar em tuas curvas...
(Edgar Radins)

Segundaaaaaaaaa