Entre Fadas e Borboletas circulamos. Neste movimento transitório, inalterável, percorremos. Entre mistérios e paraísos lilases equilibramos. Entre matizes rosas e azuis voamos. E nos canteiros perfumados cultivamos. As flores mais lindas colhemos. Rosas vermelhas ou brancas exalamos. E nas manhãs de verão, nos amamos. (Paty Padilha)
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
Borboleta Que Sou
Deslocando o ar do meu próprio corpo
Levanto a criança que fui,
Desço até o fundo do mar,
Descubro peixes de avião,
Nas varandas do oceano
Inventei o meu amor.
Trazendo o ar para mim
Aspirei todo o prazer,
Em faixas de sons e formas
Dei toda a vida ao meu ser.
Somente com um sopro
Posso criar a desgraça,
trazer para os meus pulmões
A semente de veneno,
E quando a morte chegar
Encontrará um homem
Que respira poesia.
(Murilo Mendes)
Sísifo
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
(Miguel Torga)
Tudo quanto penso
Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.
(Alberto Caeiro)
Canção para o Sol
A vida deve ser bebida
Estou
E num breve instante
Sinto tudo
Sinto-me tudo
Deito-me no meu corpo
E despeço-me de mim
Para me encontrar
No próximo olhar
.
ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão
.
nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira
A vida (ensinaram-me assim)
Deve ser bebida
(Mia Couto)
Verdadeira Arte de Viajar
Repouso
Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.
Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.
(Adalgisa Nery)
"Eis, então, o silêncio era composto do total da palavra humana, não é para falar de morrer entre os homens: é a língua de seus cabelos, a boca fala sem mover seus lábios, olhos de repente são palavras... Tomo a palavra e vá ao redor, como se fosse única forma humana, me embelesan suas linhas e navegar em cada ressonância da língua... "
(Pablo Neruda)
(Chile, 1904 -1.973)
Pratiquei a minha arte de roseira: a fria
inclinação das rosas contra os dedos
iluminava em baixo
as palavras.
Abri-as até dentro onde era negro o coração
nas cápsulas. Das rosas fundas, da fundura nas palavras.
Transfigurei-as.
Na oficina fechada talhei a chaga meridiana
do que ficou aberto.
Escrevi a imagem que era a cicatriz de outra imagem.
A mão experimental transtornava-se ao serviço
escrito
das vozes. O sangue rodeava o segredo. E na sessão das rosas
dedo a dedo, isto: a fresta da carne,
a morte pela boca.
— Uma frase, uma ferida, uma vida selada.
(Herberto Helder)
Estou atrás do que fica atrás do pensamento. Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo. Gênero não me pega mais. Além do mais, a vida é curta demais para eu ler todo o grosso dicionário a fim de por acaso descobrir a palavra salvadora. Entender é sempre limitado. As coisas não precisam mais fazer sentido. Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. Porque no fundo a gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro.
(Clarice Lispector)
Pacto Afetivo
Passado
Como supera-lo?
Já não sei...
Um sorriso...
Que hoje me entristece ao lembrar.
Um gesto...
Que antes me fez feliz...
Agora me faz sofrer.
Melhor seria deixar pra trás o que se foi...
Tentar ser o que nunca fui...
Esquecer de tudo.
De você, de mim, do passado.
Aquele paradoxo, que no passado me fez feliz...
Hoje só me faz sofrer...
(Sheyla Andrade)
Te Deixarei
Quando não mais puder
ao seu lado caminhar
Para não atrasar-lhe os passos
Quando só por suas mãos
eu conseguir vencer os obstáculos
Quando a visão me falhar
e de seus lábios saírem
a descrição do mundo
Te deixarei
ficarei a beira do caminho
mas não me sentirei só ou triste
Terei as lembranças de nossa vida
para me confortar
como um acalanto para a alma
Em minhas mãos ainda sentirei
o calor de seu corpo
Quando você no horizonte desaparecer
estarei sorrindo, com a certeza
de ter cumprido o meu dever
Te deixarei
não porque não me amas mais
mas porque eu te amo...
(Almir Capthor)
Sentimento
Eu me sentiria feliz se, pelo menos uma vez
eu tivesse quieto no meu canto, parado,
e você me procurasse,
sem que eu tivesse que mover um dedo,
nem sequer esboçar um sorriso.
Eu me sentiria muito feliz, se
ao cair da tarde, encontrasse seu coração
entrando no meu silêncio,
devassando minha solidão,
desprezando minha timidez,
sem sequer mudar nada em mim.
Eu me sentiria irremediavelmente feliz,
se eu tivesse me dado conta
de pelo menos uma,
das tantas vezes em que isso aconteceu,
não só com você,
mas com tanta gente que eu quis...
(Roberto Shinyashiki)
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