quinta-feira, 9 de julho de 2009

ESFINGE NEGRA by Sindri Nathanael


“Assim como falham as palavras na tentativa de exprimir qualquer pensamento. Também há falha do pensamento quando se quer pronunciar aquilo que deve ser dito em apenas uma palavra; para que a idéia não se perca nos labirintos das frases. Que fazer? Deixar o que vem antes das palavras, em segurança. Guardar a idéia puríssima no silêncio. Palavras não são de se brincar.”

Arriscando, tenta-se:


Ela acha que consegue conhecer o que as pessoas sentem. Vai vê consegue mesmo. Mais o que importa, é que ela própria se perde em seus sentimentos. Isso causa uma desorganização profunda em sua vida íntima. Passando assim, a descobrir formas de distraí-se de sua dor latente, convivendo nesse caos de forma incrível. Saltando de um medo para outro, esquivando-se das tentativas de solução. Ela conhece a saída. Tem a chave da porta, mais não à coragem para levá-la a fechadura. É um perigo muito grande compartilhar do medo de uma outra pessoa. Melhor compartilhar fome. Ela compartilha medo e verdade; suas verdades, mais não todas. Ela também é um mistério. E carrega o peso de ser um mistério, levando-a a correr o risco que é aventurar-se na viagem interna, em busca das respostas. Essa busca íntima, também é um perigo. Ela corre o risco, e paga o preço da audácia.
Intensa, dança para alegrar o espírito, no ritual seco de seus movimentos. Dança para sentir seu corpo. Gosta de descobrir-lo e submete-o ao limite de suas expressões. Ela se diverte. Seu divertimento está nas coisas mais improváveis: lambe o sal da pele, vê ondas em piscinas, ler versos ao redor de um copo... Desestabiliza os fracos e inclina os fortes. Desafiadora. A ela não falta ar. Faltam pulmões, faltam cigarros. Ela faz tudo por capricho, às vezes funciona ao contrário sob seus ares de marquesa. Entende os presos e absolve os condenados. Ajoelha mais não reza. Odalisca, freira, vadia. Preta... Branca... Colorida. Ela é toda ela. Todinha... "Menina, entra já pra casa! Olha o sereno... Vai pegar um resfriado!!", "Já vou mamãe... Apenas deixa-me terminar de contar as estrelas...".

07.08.09

ENGATILHANDO UM SONO by Sindri Nathanael


Já havia tomado banho, pois a noite estava quente, preparava-se pra dormir. Enxugou os pés, em torno de cada dedo e calcanhares. Depois se perfumou com suavidade, penteou os cabelos molhados como de costume, em um ritual todo humano. Olhou para o espelho, em surpresa, como se não conhece o próprio rosto, demoradamente fitou os próprios olhos, e quanta dor existiam neles: era a própria dor. Recusou-se instantaneamente em continuar a olhar, não podia suportar tanto descontentamento. Deitou-se, ajeitou o corpo lentamente, procurando a melhor posição na cama ortopédica, para que não sentisse dor física, pois sabia que a dor em sua alma o afligiria pela noite toda e não precisava de uma agonia extra. Sentia o vento bater em seus pés, em sensação de água evaporando, era fato que não havia enxugado os pés direito. Uma sensação agradável o possuía, ficou contente em sentir.
Virou-se para o lado, com o braço direito em baixo da nuca sentindo os cabelos molhados tocar a pele seca, numa inútil tentativa de conforto. Era uma tortura encontrar sossego para descansar do dia atribulado e de tantas decepções que tivera. Por algum instante sentiu-se leve, tocava o rosto, sentia o atrito, e os ruídos que produziam, ouvia-os como uma melodia distante dentro do próprio corpo. Em eco. Aumentava o atrito intuitivamente, acelerando a música em ritmo estonteante. Experimentou esfregar os fios dos cabelos, destes brotaram um novo som, que misturado ao do ventilador e as batidas apreensivas do coração; estava compondo sonhos musicais para ninar o seu espírito inquieto e o corpo dolorido.
O que tanto lhe tirava o sono? Teria uma resposta em seu alcance, se sua mente não tivesse o turbilhão de pensamentos desorientados, esbarrando-se freneticamente, num liquidificador de idéias. Sentia os músculos enfraquecidos, e os dedos enrijecidos. Puxou uma a um, iniciando pela mão direita, na tentativa de libertá-los, e sabia que conseguira quando subitamente ouviam-se os estalos dos ossos. Que deleite.
Fechou os olhos, e com espanto abriu-os apressadamente. Medo do escuro? Não! Temor das luzes que vira como mandalas. Iluminadas e faiscantes no avesso de suas pálpebras. Várias, girando entre si, dançando e dançando, ao som dos ritmos que descobrira. Fechou os olhos novamente, agora sem medo, e para seu espanto sentiu-se todo comovido; adormecendo lentamente, acalentado dentro de uma barriga maternal, submerso em placenta. Estava todo feto. Aquecido e prematuro. Num berço de carne uterina. Dormiu enfim, sem está num barquinho de jornal naufragado em uma banheira de águas turbulentas. Era um botão de magnólia fechado, sem pressa para desabrochar. Uma lagarta no casulo do mais alto galho. Bem aventurados sejam os que dormem facilmente. Sem dor nas costas.


22.09.09

Boa noite!


tua saudade corta como aço de navaia
O coração fica aflito, bate uma, a outra faia
E os óio se enche d´água
Que até a vista de atrapaia, ai ai.

"Cuitelinho"
de Paulo Vanzolini / Antônio Xandó


Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas;
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!


Florbela Espanca