segunda-feira, 15 de agosto de 2011



O sol bate forte na cabeça.
O sol bate forte e reflete na calçada
e dissolve o corpo em gotas pegajosas
escorrendo nojentas e brilhantes pelos braços
e pelas pernas por baixo do roxo
até cair sobre o asfalto formando pequenas poças
que logo se evaporam subindo pelos raios do sol
cor de cenoura de fevereiro para novamente descer do alto
despertando o suor roxo adormecido no meu corpo.

E na esquina riem.
Eu não ligo, mas riem e falam baixinho entre si,
homens dispostos na calçada com as camisas abertas
entre as verduras da tenda da esquina,
os homens de pelos aparecendo pelas aberturas da camisa
cochicham entre si e riem. Mas eu piso firme e ergo a cabeça
e dentro do meu roxo caminho só-rindo entre as verduras e os cochichos,
e ninguém entende: mas silenciam e principiam a rir baixo,
apenas para eles, e não têm coragem de dizer nada.
Eu passo por seu silêncio irônico e perplexo, a minha bolsa oscila,
é como se o sol coroasse minha cabeça
e ninguém soubesse ao certo se rir ou calar, de espanto,
porque nunca naquela rua passou alguém coroado por um sol roxo de fevereiro.
[...]
E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros,
que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias,
que não me comovam os olhos alheios
e a infinita pobreza dos gestos com que cada um
tenta salvar o outro deste barco furado.
Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre
e suporte o sol das cinco horas posteriores,
e posteriores,
e posteriores
ainda.


Caio Fernando Abreu

Nenhum comentário: