segunda-feira, 3 de dezembro de 2007


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que: que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária e
permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.
Eu consisto, eu consisto, amém.
(Clarice Lispector)

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