sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Serenidade



Há muito tempo, Vida, prometeste
trazer ao meu caminho uma doida alegria
feita de espírito e de chama,
uma alegria transbordante, assim como esse
alvo clarão que se irradia
da orla festiva das enseadas,
e entre reflexos de ouro se derrama
do cântaro das madrugadas.

Eu, que nasci para um destino manso
de coisas suaves, silenciosas, imprecisas,
e que fico tão bem neste obscuro remanso
onde apenas se infiltra um perfume de brisas,
imagino a tremer: que seria de mim
se essa alegria
esplêndida, algum dia,
houvesse surpreendido a minha inexperiência!…

A vida me iludiu, mas foi sábia na essência.

Minha alegria deveria ser assim:
Pequenina doçura delicada,
gota de orvalho em pétala de flor,
sempre serena lâmpada velada
que me diluísse as brumas do interior.

Sempre serena lâmpada velada,
símbolo do meu sonho predileto…
Se amanhã tu penderes do meu teto
aureolando minha última ilusão,
- para que eu viva em teu amor e em tua paz,
deixa um rastro de sombra pelo chão…
É nesta sombra que hei de me esconder
quando sentir a falta que me faz
a outra alegria que não pude ter!
(Henriqueta Lisboa – do livro Velário (1930 – 1935)

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