sábado, 22 de março de 2008



Eu queria olhar os pássaros
pelas proposições de ruy belo: vê-los
nos galhos das árvores, como frutos
de verão. E queria colhê-los,
como se cada asa fosse um verso,
para fazer este poema voar
com uma referência ao coração.

Assim poderia contar as pulsações
do poema como quem conta as sílabas;
e ver as palavras juntarem-se
como os pássaros do outono, varejando
com a inúmera mão do poeta
natureza e filosofia, folhas
e aves caindo da sua música.

E estenderia os olhos dos pássaros
nesta folha, abertos como a alma das árvores
no outono, para lhes roubar o amor
que os pássaros levam para lá do horizonte
para onde as nuvens os empurram. Contá-los-ia
pelos dedos de ruy belo, nessa forma
complicada que não se dá bem na poesia.

Depois, devolvo aos pássaros os seus
olhos, e ao poeta os seus versos, mas guardo
o amor que sobrou sob os ramos das árvores
de onde os pássaros partiram, deixando vazio
o lugar em que os amantes se encontram,
vendo que os pássaros emanam das árvores
quando o seu silêncio enche o campo.

E nestes pássaros de ruy belo também
eu passo e muda-se-me o coração.
(Nuno Júdice)