terça-feira, 4 de agosto de 2009

Oswaldo Antônio Begiato


PEQUENA BIOGRAFIA

“SEM SOMBRAS

Ao meio dia
De um domingo
Prenhe de sol
E enamorado de outubro
Rompi espontâneo
Como um botão de rosa fêmea
Que nasce sem ser esperado.”

Nasci, sob o signo de escorpião,
em 26 de outubro do ano de 1.953,
na cidade de Mombuca,
um pequeno encanto
no canto interior
do Estado de São Paulo.

Menor que a cidade só eu mesmo.

Ainda pequeno vim para Jundiaí,
também São Paulo, Terra da Uva,
da qual experimentei o sabor do fruto
e jamais a deixei.

Nela me fiz advogado sem banca,
aposentado sem queixas
e onde perambulo até hoje,
buscando, perdidas nas sarjetas,
as palavras que me usam
para escrever poesias.




MEU DESEJO
Oswaldo Antônio Begiato

Preparo-te uma estrela,
Daquelas que se encontram
Em frontispícios de presépios.
Desejo-a luzindo em tua fronte,
Para que todos os reis saibam
Que a cada instante
Nasce um menino
Dentro de ti. Meigo e mago.

Preparo-te uma serpente,
Daquelas que se encontram
Em meio a pedras do deserto.
Desejo que a subjugues com teus pés,
Para que todos os homens saibam
Que a cada gesto teu
Nasce uma mulher
Fora de ti. Livre e livro.

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FOTO ÚLTIMA
Oswaldo Antônio Begiato

Obrigado por guardar
em sua carteira
essa minha foto antiga.

Nela eu ainda tinha
cabelos longos
e barba
e linhas retas
e pele lisa
e infinidades
e simetria
e esperanças
e horizontes
e sonhos...

Tive que cortá-los,
ano passado,
por conta de um tumor
extraído de minha boca
(ela que já era muda
emudeceu-se ainda mais).

Foi a última foto minha
com o rosto ainda direito.
Agora ando torto,
sem medidas exatas,
sem nível,
sem esquadro,
sem ângulos retos,
sem arquitetura,
sem plástica,
sem prumo,
sem rumo...

Quanto à cor dos olhos,
pelos quais não lhe pude
proibir o encanto,
era espanto,
ou perplexidade,
ou intolerância,
ou irrequietação,
ou pavor,
ou tristeza,
ou despedida...

Sei lá.

Sei que não são mais assim
os meus olhos.

Os meus olhos
não são mais assim.

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POSSEIROS
Oswaldo Antônio Begiato

O tempo está sempre
contra nossa vontade.
Quando estamos felizes
ele corre demais;
quando infelizes
ele se lerdeia todo.

Façamos assim então:
- Eu te deixo morar eternamente
na suíte real de meu coração,
e tu, generosa, me concedes
o porão do teu,
onde prometo morar
o resto de minha vida.

Não teremos o tempo
a nos vigiar
e tudo será céu.

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NADA E TUDO
Oswaldo Antônio Begiato

Nada do que fomos
foi apenas um apenas.

Nada do que tivemos
foi pouco de um pouco.

Nada do que fizemos
foi somente um somente.

Tudo o que somos
é tudo de nós mesmos.

Tudo o que fazemos
é sentir a falta do outro.

E a gente vai como Deus quer.

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BALA PERDIDA
Oswaldo Antônio Begiato

Eu nunca consegui dizer:
- Eu te amo!
Por isso me fiz anoitecer
a teus olhos atentos
só pra te ver me cobrindo
com teu manto de luz
quando eu, escondido,
chorei invigilante
com medo do escuro
na esperança vã
de que feito lágrima labiríntica
pudesse eu te deixar perdida.

Perdida de amor
por mim.

Então me inventei poeta,
sem sê-lo,
para escrever versos escondidos
e neles, incólume,
declarar meu amor silencioso
na esperança vã
de que feito bala perdida
eles atingissem teu coração.

E tu morresses de amor
por mim.

Mas sequer notaste
com que roupa
eu pra ti me vesti.

Desdourado,
dobrei pela enésima vez
a camiseta púrpura
de fio escócia
com meus versos azuis
e teu perfume rosa
e a devolvi à gaveta branca
da cômoda verde
de minhas esperanças iludíveis.

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COVA RASA
Oswaldo Antônio Begiato

Quando a manhã chegou
Eu me quis sem rosto;
Apenas cabelos,
Testa e orelhas.

Pela hora do almoço
Eu me quis sem cabeça;
Apenas roupas,
Tronco e membros.

Quando adormeci
Eu me quis sem nada;
Apenas solidão,
Cova rasa e silêncios.

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FRUTO MADURO
Oswaldo Antônio Begiato

O tempo
é um pêndulo
de dois gumes.

Amadurece
nossa alma,
deixa-nos
doces,
belos,
tenros.

Quando estamos
em pleno gozo
da maturidade
e chegam
os tempos da colheita,
implacável,
ele nos separa
do tronco
da raiz,
da seiva.

Nascer é iniciar
O caminho da morte.

É crueza inaceitável.

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APAIXONADA
Oswaldo Antônio Begiato

Vens e dizes estar
Dissolutamente apaixonada.
Que sou tua reta e indivisa vida,
Que todas as tuas pertenças
São agora minhas pertenças:
Teu riso incontido,
Tuas lágrimas safíricas,
Teu sexo sequioso,
Teus descaminhos justos,
Teus arrependimentos tolos,
Teu coração indômito...

Até tuas mais incertas tristezas
Juras que me pertencem.
Juras que me pertencem
Todas as tuas juras.

E fico eu cá no meu canto
Tentando buscar a razão disso tudo.
O que em mim pode ter te encantado tanto,
Se sou, dentre os grãos dourados
Da areia da praia, o menorzinho
E você quase contém o mar todinho
Apenas em um único e terno olhar?

Teria sido a poesia que fingi escrever,
Ou os encantamentos delatores
Que de meus olhos escaparam
A primeira vez que te encontraram
Vestida de primavera e sol?

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FLOR BRANCA
Oswaldo Antônio Begiato


Que você nunca se aparte
Da delicada orquídea branca
Que traz em seus cabelos;
Pedra rara em jóia única.

Que você nunca ceife
Seus cabelos alongados
Que lhe cingem a cintura;
Mistério feminino do existir.

Que você nunca negue
Sua cintura às minhas mãos;
Elas ainda têm o brando perfume,
Da orquídea branca que lhe ofertei.

Que você nunca se aparte
Da imaculada orquídea branca
Que traz em seus cabelos;
Insígnia de meu devotamento.

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OS OLHOS DE MEU PAI
E OS OLHOS DE MINHA MÃE
Oswaldo Antônio Begiato

Meu pai
Tinha um par de olhos azuis
Cheios de contentamentos.
Quando minha mãe se entristecia
Meu pai emprestava os olhos a ela.

Minha mãe
Tinha um par de olhos azuis
Cheios de delicadezas.
Quando meu pai se embrutecia
Minha mãe emprestava os olhos a ele.

Os olhos de meu pai
E os olhos de minha mãe
Ouviam mais que seus ouvidos,
Sentiam mais que suas peles,
Cheiravam mais que seus narizes,
Falavam mais que suas bocas.

Os olhos de meu pai
E os olhos de minha mãe
Viam com tanta santidade
Que o mundo ao meu redor
Era um carrossel de sentidos.

Deles herdei os olhos;
Só não herdei a sabedoria de domá-los.

Por isso sou triste e rude.

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AVESSO
Oswaldo Antônio Begiato

Sou teu avesso.
Há sempre em ti um riso
escandaloso,
que afaga meu choro
acanhado,
um alongar-se
que me abre os estreitamentos.
Sou sempre anulares
e tu, aliança eterna.
Tens um coração
que se mantém atento
e não esquece meiguices,
o meu carente
e cheio de calos
de tanto bater em falso.
E por isso te amo
e te amo até me doer
a raiz dos cabelos.
Mas mais do que te amar,
amo-te quando me falas
que me amas.

E eu sei que é tudo mentira.

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MAR
Oswaldo Antônio Begiato

Nada na natureza
Identifica-se mais comigo
Do que o mar.

Guarda em suas profundezas
Tantas branduras
Quantas branduras
Guardo eu
Nas minhas profundezas.

Permite às suas superfícies
Tantos turbilhões
Quantos turbilhões
Permito eu
Às minhas superfícies.

Aliás, lhe falta apenas
Uma vogal feminina
Para ser amar, o verbo;
- Como tu.
Uma vogal masculina
Para ser amor, o substantivo;
- Como nós.

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SORRISO
Oswaldo Antônio Begiato

Para Vania Gondim

Enquanto entristecido
Por tantos desacertos,
Recebi, hoje,
Pelas mãos precisas
Do destino,
O livro de poesias
Que me mandaste.
Ele me chegou
Com teu breve
E incisivo perfume,
Com tua breve
E tímida dedicatória.

Como sempre,
Tua letra não estava bonita.

Mas quando as palavras
São perfumadas e bonitas
A letra não precisa ser.

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A ROSA DE NOSSO ETERNO AMOR
Oswaldo Antônio Begiato

Naquele domingo à tarde,
em que todas as criaturas
se encantavam em calcular
a Unidade Astronômica
você veio com a idéia
de construirmos uma flor.

Você faria o projeto
da semente, da brotação...
A mim caberia fazer
a fórmula do perfume,
e o voto de eternidade.

E nós chama-la-íamos de
A Rosa de Nosso Eterno Amor.

Mas veio a segunda-feira
e com ela os homens frios,
com seus tratores pesados,
com suas mantas de asfalto,
nos enfeitaram com flores
construídas de plástico
e nos puseram no andor,
no andor cheio de passos,
cheio de passos alheios.

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...desce a noite
Oswaldo Antônio Begiato

...desce a noite,
mas eu não gosto de
quando a noite desce,
me encho de temores,
me encho de covardias,
me encho de abandonos.


...desce a noite,
mas eu não gosto de
quando a noite desce,
me encho de escadas,
me encho de labirintos,
me encho de tropeços.


...desce a noite,
mas eu não gosto de
quando a noite desce,
me encho de perguntas,
me encho de vazios,
me encho de abismos.

...desce a noite,
mas eu gosto de
quando a noite desce,
me encho de estrelas,
me encho de luas,
me encho de anjos.

...desce a noite,
mas eu gosto de
quando a noite desce,
me encho de boemia,
me encho de vícios.
me encho de mim mesmo.

...desce a noite,
mas eu gosto de
quando a noite desce,
me encho de respostas,
me encho de encantamentos,
me encho todinho de ti.

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SÓS
Oswaldo Antônio Begiato

Sozinhos por uma noite inteira andamos de mãos juntas.

Queríamos ver estrelas cadentes
No rosto de pessoas contentes
Andando à nossa volta,
Mas os nossos limites eram feitos de desertos
E a noite árida deixou nossas almas trêmulas.

Nada dissemos que pudesse parecer um reinício;
Nossos olhos por nenhum momento se buscaram;
Sequer sentimos o calor de nossos corpos,
Sequer ouvimos o som de nossos passos.

Havia uma imensa distância;
Uma distância que permitia a tudo nos ser estranho.

A luz pálida de um fim de caminho
Fazia-se dissimular no horizonte.
Ali seria o nosso lugar de chegada
E seria o nosso lugar de partida.

Assim foi feito:
Todas as regras foram cumpridas,
Todos os desejos alheios realizados.


E, apesar de tudo,
Nunca houve em minha vida
Ternura tão intensa
Que de tão intensa se fez eterna.

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CURVAS
Oswaldo Antônio Begiato

Nas tuas montanhas insondáveis e vastas
(Nádegas, seios e malícias)
Vagam minhas entranhas fecundas e castas
(Ventre, umbigo e delícias),
Por isso supor-lhe-á o mundo desvios tantos
(Volúpias, coxas e desejos),
A encher-lhe de insuportáveis e belos prantos
(Saudades, perdões e beijos).

Em tuas tenras e leves pétalas rasgadas
(Esterco, broto e tesão),
Nas tuas raízes à flor da terra e mal regadas
(Chuva, tardes e verão),
Renasço, livre como o vento, em tuas pegadas
(Areia, estrada e destino)
E me entrego a ti virgem e feliz como chegadas
(Sorriso, bocas e menino).

Com as mãos cheias de chaves, me libertas
(Elos, cadeados e segredos)
E no teu colo proibido e repleto de ofertas
(Sono, abandono e medos),
Zonzo pelos labirintos de tua sã mente
(Poemas, livros e mais ninguém),
Repouso, sem prisões, minha cabeça demente
(A loucura é o meu maior bem).

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INACABADA
Oswaldo Antônio Begiato

Foste tu que vieste me benzer
Com o rosto coberto por um véu
E o corpo negro e seminu?

Foste tu que tingiste a seco
Minha túnica de escarlate
E minhas sandálias de terra?

Foste tu que maculaste
Meus lençóis com orgasmos
E minhas pegadas com sangue?

Foste tu que negaste
Se refletir na lente de meu cristalino
E depois oraste sem me tocar?

Foste tu que cobriste
A noite com o manto da saudade
E o dia com os raios da espera?

Foste tu que prometeste
Amar-me por toda a vida
E depois morreste de repente?

Foste tu?
Foste tu que partiste sem me benzer?

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BARRO E SOPRO
Oswaldo Antônio Begiato

As pessoas
intensas
imensas
e densas
são feitas
de barro,
de sopro...

De barro
para que as
sementes
germinem.

De sopro
para que as
sementes
se espalhem.

Tudo mais
é pedra,
é vácuo.

2 comentários:

Anônimo disse...


Que lindas poesias!!! Vê-se e sente-se que nelas estão a alma do autor, que por sinal é simples e bela!

Que bom saber que existem almas assim!

Maria Ignês

Anônimo disse...

Que lindas poesias!!! Vê-se e sente-se que nelas estão a alma do autor, que por sinal é simples e bela!

Que bom saber que existem almas assim!

Maria Ignês