segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Preciso soltar o ritmo...


É preciso soltar o ritmo que me prende.
Esta amarra de ferro à palavra e ao som.
Emudecer, no espaço, o arco e a corrente
E ser nesta varanda um pouco só de cor.
Não saber se uma flor é mesmo uma criança.
Se um muro de jardim é proa de navio.
Se o monumento fala, se o monumento dança.
Se esta menina cega é uma estátua de frio.
Um pássaro que voa pode ser um perfume.
Uma vela no rio, um lenço no meu rosto.
Na tarde de Fevereiro estar um dia de Outubro.
Nos meus olhos de morta uma noite de Agosto.
É preciso soltar o ritmo das marés,
Das estações, do Amor, dos signos e das águas,
Os duendes das plantas, os génios dos rochedos
Nos cabelos do Vento, as tranças de arvoredos.
Desordenai-me, luz! Que nada mais dependa
Das águas, das marés, dos signos e do Amor.
É preciso calar o arco e a corrente
E ser nesta varanda um pouco só de cor.
NÃO
Não formar nenhuma ideia
do que somos ou seremos
mas entre as vozes que fogem
precisar o que dizemos.
Dormir sonos ante-céus
abismos que são infernos.
Dormir em paz. Dormir paz,
enfim a nota segura.
Lembrar pessoas e dias
que penetram no espaço
de eventos primaveris.
E dar as mãos aos espectros
beijá-los lendas, perfis.
Amar a sombra, a penumbra
correr janelas e véus.
Saber que nada é verdade.
Dizer amor ao deserto
abraçar quem nos ignora
dormir com quem não nos vê
mas precisar do calor
de quem nunca nos encontra.
(Natércia Freire)

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